Pesquisar no site


Contato


Secretaria Municipal de Cultura, Esporte e Recreação
Avenida São Francisco de Assis, n° 661, Vila Real, Hortolândia/SP

(19) 38659000 Falar com Joice Durello ou Marcos Coelho

E-mail: conferenciaculturahortolandia@gmail.com

 

Sistematização da 1ª Conferência de Cultura de Hortolândia.

www.mandeibem.com.br/web/down/?cod=39200911321710927

Textos de Referência para os GTs - Grupos de Trabalho

 Apresentação dos Textos de Referência para os Grupos de Trabalho (GTs):

Prezad@s componentes dos Grupos de Trabalho da 1° Conferência Municipal de Cultura- Hortolândia 2009, a Comissão Organizadora dessa conferência selecionou uma coletânea de textos para enriquecer o debate e as propostas da atividade a seguir, que compreende as atividades dos denominados GTs ou Grupos de Trabalho.

A proposta dessa Comissão Organizadora é que os delegados e convidados devidamente inscritos posicionem-se em um dos 03 grupos de trabalho com os seguintes eixos específicos dessa conferência:

GRUPO1: Políticas Públicas para Cultura / GRUPO2: Cultura, um direito de todos / GRUPO3: Cultura, Cidade e Cidadania

Esses eixos ou temas específicos foram selecionados a partir de um fórum virtual proposto pela Comissão Organizadora e composto por artistas, produtores culturais e componentes de movimentos culturais e poder público.

O intuito dessa atividade é que todos os participantes organizem-se nesses 03 coletivos e debatam propostas de políticas públicas para o nosso município, podendo usar como base nossa coletânea de textos e a explanação dos expositores dessa conferência, mas embasando-se principalmente em suas vivências coletivas culturais, sociais e políticas e toda a gama de atividades teóricas e práticas que envolvem nosso trabalho enquanto gestores culturais, artistas, produtores, militantes da cultura e sociedade civil.

A primeira parte de nossa coletânea é composta por textos de antropologia cultural dos autores Roque de Barros Laraia e Ashley Montagu, respectivamente nas obras "Cultura um Conceito Antropológico" e” Introdução à Antropologia", com intuito que os grupos de trabalhos possam debater a difícil conceituação técnica do termo e do significado de "cultura", tema central das discussões antropológicas nos últimos 100 anos: um assunto que tem se demonstrado inesgotável.

Seguimos nossa coletânea com o texto cedido gentilmente por Marcelo Miguel poeta, ator e gestor cultural componente da Quixote Art e "Cultura, um direito de todos" de Jaime Pinsky historiador, editor, doutor e livre docente pela USP, que também nos cedeu a publicação de seu artigo.

Finalizamos nossa coletânea com o texto de Hamilton Faria “A Democratização da Cultura Pede Passagem” poeta, sociólogo e coordenador da área de desenvolvimento cultural do Instituto Pólis e o texto “Cultura Política e Política Cultura” de Marilena Chauí, mestre, doutora e livre docente de Filosofia pela USP.

Joice Durello / Componente da Comissão Organizadora da 1° Conferência Municipal de Cultura Hortolândia 2009.

 

 4.1 - A difusão da Cultura

Roque de Barros Laraia

 

                Não resta dúvida que grande parte dos padrões culturais de um dado sistema não foram criados por um processo autóctone (1), foram copiados de outros sistemas culturais. A esses empréstimos culturais a antropologia denomina difusão. Os antropólogos estão convencidos de que, sem a difusão, não seria possível o grande desenvolvimento atual da humanidade. Nas primeiras décadas deste século duas escolas antropológicas (uma inglesa, outra alemã), denominadas difusionistas, tentaram analisar esse processo. O erro de ambas foi o de superestimar a importância da difusão, esse mais flagrante no caso do difusionismo inglês que advogava a tese de que todo o processo de difusão originou-se no velho Egito.

                Mas deixando de lado o exagero difusionista, e mesmo considerando a importância das invenções simultâneas (isto é, invenções de um mesmo objeto que ocorreram inúmeras vezes em povos de culturas diferentes situados nas diversas regiões do globo), não poderíamos ignorar o papel da difusão cultural.

                Numa época em que os nortes-americanos viviam um grande desenvolvimento material e os seus sentimentos nacionalistas faziam crer que grande parte desse progresso era resultado de um esforço autóctone, o antropólogo Ralph Linton escreveu um admirável texto sobre o começo do dia do homem americano:

                “O cidadão norte-americano desperta num leito construído segundo padrão originário do Oriente Próximo, mas modificado na Europa Setentrional, antes de ser transmitido à América. Sai debaixo de cobertas feitas de algodão cuja planta se tornou doméstica na Índia, ou de linho ou de lã de carneiro, um e outro domesticado no Oriente Próximo; ou de seda, cujo emprego foi descoberto na China. Todos estes materiais foram fiados e tecidos por processos inventados no Oriente Próximo. Ao levantar da cama faz uso dos “mocassins” que foram inventados pelos índios das florestas do Leste dos Estados Unidos e entra no quarto de banho cujos aparelhos são uma mistura de invenções européias e norte-americanas, umas e outras recentes. Tira o pijama, que é vestuário inventado na Índia e lava-se com sabão que foi inventado pelos antigos gauleses, faz a barba que é um rito masoquístico que parece provir dos sumerianos do antigo Egito.

                Voltando ao quarto, o cidadão toma as roupas que estão sobre uma cadeira do tipo meridional e veste-se. As peças de seu vestuário têm a forma das vestes de pele originais dos nômades das estepes asiáticas; seus sapatos são feitos de peles curtidas por um processo inventado no antigo Egito e cortadas segundo um padrão proveniente das civilizações clássicas do Mediterrâneo; a tira de pano de cores vivas que amarra ao pescoço é sobrevivência dos xales usados aos ombros pelos croatas do século XVII. Antes de ir tomar o seu breakfast, ele olha a rua através da vidraça feita de vidro inventado no Egito; e, se estiver chovendo, calça, galochas de borracha descoberta pelos índios da América Central e toma um guarda-chuva inventado no sudoeste da Ásia. Seu chapéu é feito de feltro, material inventado nas estepes asiáticas.

                De caminho para breakfast, pára para comprar um jornal, pagando-o com moedas, invenção da Líbia antiga. No restaurante, toda uma série de elementos tomados de empréstimos o espera. O prato é feito de uma espécie de cerâmica inventada na China. A faca é de aço, liga feita pela primeira vez na Índia do Sul; o garfo é inventado na Itália medieval; a colher vem de um original romano. Começa o seu breakfast com uma laranja vinda do Mediterrâneo Oriental, melão da Pérsia, ou talvez uma fatia de melancia africana. Toma café, planta abissínia, com nata e açúcar. A domesticação do gado bovino e a idéia de aproveitar o seu leite são originárias do Oriente Próximo, ao passo que o açúcar foi feito pela primeira vez na Índia. Depois das frutas e do café, vêm waffles, os quais são bolinhos fabricados segundo uma técnica escandinava, empregando como matéria-prima o trigo, que se tornou planta doméstica na Ásia Menor. Rega-se com xarope de maple, inventado pelos índios das florestas do Leste dos Estados Unidos. Como prato adicional talvez coma ovo de uma espécie de ave domesticada na Indochina ou delgadas fatias de carne de um animal domesticado na Ásia Oriental, salgada e defumada por um processo desenvolvido no Norte da Europa.

                Acabando de comer, nosso amigo se recosta para fumar, hábito implantado pelos índios americanos e que consome uma planta originária do Brasil; fuma cachimbo, que procede dos índios da Virginia, ou cigarro, proveniente do México. Se for fumante valente, pode ser que fume mesmo um charuto, transmitindo à América do Norte pelas Antilhas, por intermédio da Espanha. Enquanto fuma, lê noticias do dia, impressas em caracteres inventados pelos antigos semitas, em material inventado na China e por um processo inventado na Alemanha. Ao inteirar-se das narrativas dos problemas estrangeiros, se for bom cidadão conservador, agradecerá a uma divindade hebraica, numa língua indo-européia, o fato de ser cem por cento americano.”

4.2 – Necessidades e Cultura

Ashley Montagu

Todo ser humano nasce com certas necessidades básicas, ingênitas, que precisam ser satisfeitas para que o organismo sobreviva. As necessidades básicas são as de: oxigênio, alimento, líquido, repouso, atividade, sono, exoneração dos intestinos e da bexiga, fuga de situações amedrontadoras e evitação da dor.

Em conexão com cada uma delas, todo ser humano está sujeito aos ensinamentos da sua cultura. Todos respiramos, comemos, bebemos, descansamos, dormimos e eliminamos segundo as formas costumeiras do nosso grupo, seja qual for o costume que prevaleça nos demais. Até certo ponto, somos todos feitos sob medida, de acordo com o modelo que predomina em nossa sociedade.

O significado de cultura

                Em virtude da sua grande capacidade de adaptação e do seu engenho notável, o homem pode aperfeiçoar de muitíssimos modos a forma pela qual os outros animais satisfazem as suas necessidades. Possui capacidade de criar o próprio meio, em vez de ser obrigado, como no caso de outros animais, a sujeitar-se ao meio em que se encontra. Dentro de cada sociedade existem maneiras especiais de satisfação das necessidades. As origens dessas maneiras, em regra geral, estão “perdidas na névoa dos tempos” ou, como dizem os aborígines australianos, “pertencem ao tempo do sonho”. Com efeito, uma das coisas mais difíceis em Antropologia é traçar a origem de um costume. De ordinário, não existe ninguém com idade suficiente para lembrar-se da sua origem porque, por via de regra, ele surgiu há muito tempo, muito antes da tradição oral ou da história escrita.

                 A cultura representa a resposta do homem às suas necessidades básicas. É o modo que tem o homem de colocar-se à vontade no mundo. É o comportamento que aprendeu como membro da sociedade. Podemos defini-la como o modo de vida de um povo, o meio, em formas de idéias, instituições potes e panelas, língua, instrumentos, serviços e pensamentos, criado por um grupo de seres humanos que ocupam um território comum.

                É esse meio feito pelo homem, a cultura, que todas as sociedades humanas impõem ao meio físico e no qual todos os seres humanos são adestrados. De tal forma se identifica a cultura com a própria vida que se pode dizer perfeitamente não ser ela tanto sobreposta à vida quanto uma extensão da mesma vida. Assim como o instrumento amplia e estende as capacidades da mão, assim a cultura acentua e estende as capacidades da vida.

São os seguintes critérios pelos quais se reconhece a cultura: (1) precisa ser inventada, (2) precisa ser transmitida de uma geração a outra, e (3) precisa ser perpetuada em sua forma original ou numa forma modificada. Ao passo que outros animais são capazes de um restrito comportamento cultural, só o homem parece possuir uma capacidade virtualmente ilimitada de cultura. O processo de criar, transmitir e manter o passado no presente é cultura – a capacidade que o semantista norte-america Alfred Korybski denominou vinculadora do tempo. As plantas vinculam as substâncias químicas, os animais vinculam o espaço, mas só o homem é capaz de vincular o tempo.

A cultura é a criação conjunta do indivíduo e da sociedade, que interagem mútua e reciprocamente, para se servirem, manterem, sustentarem e desenvolverem um ao outro.

                A cultura, portanto, é o complexo de configurações mentais que, em forma de produtos de comportamento e produtos materiais, constitui de modo principal que tem o homem de adaptar-se ao meio total, controlando-o, mudando-o e transmitindo e perpetuando os modos acumulados de fazê-lo.

A mudança evolutiva se processa em todos os animais por mutação e pela armazenagem, nos genes, das mutações adaptativamente valiosas. No homem, a mudança evolutiva também se processou dessa maneira, mas a adição de um sem-número de mudanças não genéticas, que também representam mudanças evolutivas sociais. Essas mudanças culturais ou de comportamento, não genéticas, não estão armazenadas nos genes, porém na parte do meio feita pelo homem, na parte aprendida, na cultura, nos instrumentos, nos costumes, nas instituições, nas baladas, etc., nas lembranças dos homens, assim como em outros dispositivos não genéticos de armazenamento e recuperação de informações.

A natureza humana é o que se aprende do meio feito pelo homem; não é alguma coisa com que se nasce. O ser humano nasce, isso sim, com as possibilidades de aprendizagem, que, mediante o ensino adequado, podem ser transformadas nas capacidades unicamente humanas.

 As condições da cultura humana

                O homem é humano em virtude de possuir possibilidades que se desenvolvem a um ponto singularmente elevado. Nasce completamente dependente, para a sua sobrevivência, de outros seres humanos; a dependência prolonga-se durante os primeiros anos e, nessa relação de sujeição, mais demorada que a de qualquer outra criatura aprende a desenvolver as suas possibilidades sob a estimulante influencia do meio humano. O que quer que saibamos ou façamos como seres humanos, precisamos aprender de outros seres humanos. Em contraposição, outras criaturas têm muito pouco que aprender. Para uma serie de coisas que fazem, estão equipadas pelo instinto, isto é, pela ação automática sem raciocínio nem propósito. O homem difere de todas as outras criaturas pela posse das seguintes características, que constituem, ao mesmo tempo, as condições de desenvolvimento da cultura humana:

1. Independência das reações instintivas, automáticas, ao meio, que caracterizam grande parte do comportamento animal;

 2.Extraordinárias possibilidades plásticas para o desenvolvimento de uma inteligência complexa. Educabilidade.

3. Capacidade altamente desenvolvida para o pensamento simbólico.

4.Fala.

5.Capacidade altamente desenvolvida para a inovação.

                A Criança dotada dessas qualidades está em condições de interagir de maneira criativa com o meio – e é precisamente isso que os seres humanos tem feito desde o princípio dos tempos.

O desenvolvimento da cultura

                Quando um homem e uma mulher se unem e produzem um filho, surge a família biológica. A importância da criança torna necessário o dispêndio de muito tempo e energia no seu trato . Os homens e mulheres que se uniram numa relação social dessa natureza terão de cercar a criança de conforto e proteção especiais. As atividades domésticas terão de ser colocadas em novas bases. Cumpre que a criança seja alimentada, limpa, veja satisfeita as suas necessidades e receba treinamento. Cada um dos pais precisará assumir as suas obrigações particulares e partilhar de gêneros algo diversos de autoridade. A chegada da criança acarreta o desenvolvimento de uma nova relação com os membros das famílias vizinhas e o reconhecimento social (legal) dos novos laços estabelecidos entre pais e filho. Por sua vez, é preciso estabelecer o reconhecimento dos novos laços criados pelos pais com o grupo, pois os pais são agora responsáveis, perante o grupo, pela criação e educação adequadas da criança.

                Tais relações obrigatórias surgiram inevitavelmente em todas as sociedades nas condições descritas, e as respostas econômicas, legais, educacionais e políticas – isto é, as respostas oriundas da satisfação das necessidades básicas e das novas necessidades derivadas das maneiras por que elas são satisfeitas – dão origem, por seu turno, a todas ou quase todas as respostas culturais que conhecemos. A maioria destas respostas culturais pode ser assim sintetizadas:

RESPOSTAS CULTURAIS ÀS NECESSIDADES DOS SERES HUMANOS QUE VIVEM EM SOCIEDADE

  1. Padrões de comunicação: Gestos, Linguagem escrita, etc.

 

  1. Traços materiais:

       a) hábitos alimentares e obtenção de alimentos / b) cuidados alimentares e obtenção de alimentos

       c) abrigo / d) utensílios, instrumentos, etc. / e) armas / f) ocupações e indústrias / g) transportes e  viagens

  1. Troca de bens e serviços: escambo, tráfico, comércio
  2. Forma de propriedade: real e pessoal
  3. Padrões sexuais e familiais:

a) casamento e divórcio / b) métodos de avaliar relações / c) tutela / d) herança

  1. Controle Sociais: a) costumes / b) opinião pública
  2. Governo : a) formas políticas / b) procedimentos judiciais e legais
  3. Práticas Religiosas e Mágicas
  4. Mitologia e Filosofia
  5. Ciência
  6. Arte: escultura, pintura, desenho, dança, musica, literatura, etc.
  7. Interesses recreativos: desportos, jogos, etc.

 

A cultura e o indivíduo

                Nenhum individuo isolado logra (2) jamais conhecerá a totalidade da sua cultura. Como membro desta cultura, esta equipado para partilhá-la e não para se tornar mero repositório dela. Todo individuo tem por dote biológico e único, ao nascer, possibilidade parecida com a dos seus semelhantes, mas que não são exatamente as mesmas. Esta é a herança biológica do individuo. A cultura em que a pessoa nasceu constitui a sua herança social. A interação entre a herança biológica e a herança social constitui, de fato, a sua hereditariedade. Não há hereditariedade sem interação entre o equipamento biológico de possibilidade da pessoa e o meio ou meios em que elas se desenvolvem. A natureza do homem, não é o que nasce com ele, senão o que ele vem a ser sobre a influência organizadora do meio socializante em que ele nasceu.

                Dessa maneira, a natureza humana, em grande parte, é a expressão da criação humana – o produto da interação das possibilidades genéticas com os fatores culturalizante que operam sobre elas para dar-lhes à natureza geral a sua forma particular.

                É principalmente da estimulação do meio cultural que o individuo se torna uma pessoa.

A natureza cooperativa do homem

                A criança nasce não só querendo e precisando ser amada, mas também querendo e precisando amar os outros. Durante muito tempo acreditamos erroneamente que as crianças, ao nascer, são umas criaturinhas egoístas e agressivas, que precisam ser disciplinadas e reprimidas. Essa crença causou danos profundos aos seres humanos e à sociedade. Pois os fatos aí estão para provar que todos os seres humanos nascem com as suas necessidades orientadas para o amor. A palavra “amor” é aqui empregada no sentido de comportamento que confere a outros vantagens de sobrevivência de maneira criativamente ampliadora.

Toda sociedade patenteia o desejo dos seres humanos de viverem juntos em paz e harmonia criativa. Muitas sociedades porém, ostentam indícios de competição, às vezes em grau violentíssimo. Tais indícios são mais sintomáticos de mau funcionamento que de saúde. O pendor geral da evolução, na maioria das sociedades humanas, tem sido antes para lograr a cooperação do que o conflito entre os homens. Por “cooperação” entendemos o esforço conjunto pela obtenção de metas comuns. Por “competição” entendemos o esforço contra outros pela consecução de um propósito. Quando no interesse do grupo, a competição cooperativa pode ser saudável, mas a competição por interesses egoístas não o é.

Um exemplo de competição cooperativa nos propicia qualquer esporte que pratiquemos de maneira a destacar o que há de melhor nos outros jogadores, de sorte que eles, por seu turno, venham a destacar o melhor que há em nós. Na competição competitiva tira-se o máximo proveito do contendor, afim de vencê-lo a qualquer custo, e não para se regozijar por haver feito o melhor possível e por ter a vitória sorrido ao melhor time, seja este o nosso, seja o do adversário.

Nos últimos anos vários autores publicaram livros em que sustentaram que o homem é uma criatura inatamente agressiva, impelida a todos os gêneros de comportamento violento pelos seus “instintos” de agressão e territorialidade, um “macaco pelado” cuja “natureza animal bruta” o converte na criatura intratável que eles o consideram.

 É muito fácil refutar essas idéias. Em primeiro lugar, o homem não tem instintos. Durante a sua evolução nas savanas, onde aprendeu a dedicar-se à caça e onde se dava o máximo valor à cooperação, à solução de problemas e à adaptabilidade, as reações biologicamente predeterminadas, isto é, os instintos não teriam tido nenhuma finalidade útil. Os instintos só estão adaptados a enfrentar as condições para as quais se criaram. As novas solicitações do meio requerem novas respostas, respostas pensadas, de solução de problemas, e reações automáticas. Requer-se a resposta apropriadamente feliz à solução da situação, isto é, o uso da inteligência, e foi por haver evoluído num meio feito por ele, que exige a capacidade de dar essas respostas, que o homem se tornou a criatura inteligente que é.

Por conseguinte, se o homem não tem instintos, a agressividade de que ele, às vezes, faz praça terá de ser explicada de outra maneira. Aqui também a resposta à pergunta sobre a origem da sua agressividade é simples: o homem aprende a ser agressivo. Os homens não nascem com impulsos agressivos, isto é, com predisposições a fazer mal a outros. Pelo contrário, aprendem a comportar-se agressivamente com os modelos de agressão aos quais são condicionados em seus próprios meios. Existem sociedades inteiras, como a dos índios pueblos, a dos ifaluques do Pacífico, a dos aborígines australianos, a dos esquimós, e outras, que se caracterizam pela não agressividade. Argumentou-se que esses povos aprenderam simplesmente a sufocar a tendência inata à agressão com a não agressividade. A resposta a esse argumento é que não há indícios nenhum de que eles tenham feito isso, nem de que exista alguma coisa remotamente semelhante à agressividade inata, a não ser talvez em alguns indivíduos cromossomicamente anormais.

                E assim como não há provas da existência de um “instinto de agressão”, assim também não as há da existência de um “instinto de territorialidade”. Muitos animais tendem a manter e a defender o território que, no seu entender, lhes pertence, mas poucos macacos e nenhum dos grandes antropóides se entregam a esse tipo de comportamento. Que teria acontecido ao seu “instinto de territorialidade”? A explicação mais simples talvez seja que eles nunca o tiveram, como também nunca o teve o homem. A verdade é que diferentes sociedades se comportam de maneiras diferentes no que concerne ao território. Algumas, dedicadas aos seus, defendem zelosamente as suas divisas. Outras, como a dos esquimós, não têm sentido de territorialidade e recebem de boa sombra todos os que chegam. Povos caçadores e coletores de alimentos vivem, não raro, em terras cujas divisas se imbricam, e isso nunca foi causa de conflito algum. Existem outras sociedades que, pacificamente, se adaptam aos que lhes usurpam as terras e muitas vezes se mudam para outro lugar. Outras ainda não sentem dificuldades em deixar a terra em que nasceram à cata de outras plagas (3), mais favoráveis aos seus propósitos.

                Em resumo, algumas sociedades não se preocupam com o território, ao passo que outras se preocupam. Isto não tem nada que ver com o instinto, e sim com o que essas pessoas aprenderam a sentir e a pensar no tocante ao território.

                De idêntica maneira, quando alguns autores falam em superpovoamento como causa de reações agressivas, cumpre notar que a agressão assim provocada não é reação, é resposta; não é inata, é aprendida. O superpovoamento, por si só, não provoca a agressão. Os índios asiáticos, os chineses de Hong Kong, os indo-chineses, os holandeses, os suíços, os índios pueblos, representam exemplos variáveis de povoamento e superpovoamento caracterizados pela ausência quase total de agressão.

Bibliografia

MONTAGU, Ashley. Introdução a Antropologia. Editora Cultrix, 1957, São Paulo

 

4.3 - Introdução ao Estudo da Produção Cultural e da Economia da Cultura

 

Marcelo Miguel

 

O Brasil é um país que concentra uma importante riqueza cultural, pela sua extensão, pela sua diversidade e pela miscigenação dos povos e das manifestações culturais. Todos os anos são realizados em diversas partes do país, milhares de projetos, programas e ações de caráter cultural, alguns de forma espontânea e orgânica, outros como fruto de um planejamento e proposição isolada de produtores, artistas e da própria comunidade.

Mas apesar de todo este potencial de nossa diversidade cultural, apesar de termos grandes músicos, artistas, atores, pintores, cineastas e uma fantástica riqueza histórica, artística, arquitetônica e uma vasta manifestação de cultura popular, não existem no Brasil hoje um número suficiente de gestores culturais qualificados e capacitados para atender a toda esta demanda. Faltam pessoas voltadas exclusivamente para o desenvolvimento da administração da cultura. Pessoas preparadas para gerenciar o processo de produção cultural.

Muitas vezes o próprio artista é obrigado a assumir este papel, assumir o controle e a administração de suas ações e de seus projetos, sem ter uma formação adequada ou uma formação mínima que possa ser considerada suficiente para esse trabalho, comprometendo a qualidade dos resultados de gestão, e o que é pior, sacrificando um tempo em que ele poderia estar se dedicando para sua verdadeira vocação: a criação artística.

De forma geral, a grande maioria das pessoas que atuam neste segmento, gerindo as ações e os projetos culturais, são pessoas que por circunstancias do destino acabaram ingressando nessa área, quase que ao acaso. Sem a intenção. Dificilmente encontraremos alguém em nosso universo de relações, que na sua mais tenra infância, ao ser indagado sobre seu futuro, afirmasse categoricamente: Quando crescer quero ser um administrador da cultura.

Mesmo sem nenhuma pesquisa ou base que sustente esta afirmação, muitos gestores culturais que atuam hoje nesta função, tanto no poder público como na sociedade civil organizada, exercem suas funções e desempenham seus papéis por circunstâncias do destino. Alguns inclusive até atuando de forma muito satisfatória e competente, mas a grande maioria, encontrando obstáculos e dificuldades no desenvolvimento e gerenciamento destas tarefas pela falta de uma formação mais adequada.

 

A Economia da Cultura no Brasil

 

Mas apesar de toda esta falta de preparo por parte dos gestores culturais, a indústria da cultura continua a crescer no país. No ano de 1994, por exemplo, a produção cultural no Brasil movimentava cerca de 6,5 bilhões de reais, o que correspondia naquela época a aproximadamente 0,8% do PIB brasileiro, segundo pesquisas realizadas pela Fundação João Pinheiro de Minas Gerais e encomendada pelo Ministério da Cultura.

Passados pouco mais de dez anos desta pesquisa feita pela Fundação João Pinheiro, algumas projeções apontavam para o fato de que a movimentação do setor cultural no Brasil, anualmente, ultrapassaria a faixa de 1,5% do PIB, gerando aproximadamente 800 mil empregos com carteira assinada e cerca de 10 milhões de empregos informais, sendo só o artesanato responsável por quase oito milhões destes empregos sem carteira assinada. Cabe lembrar que estas mesmas projeções indicavam a educação como responsável por 2,2% do PIB brasileiro.

Com este volume de recursos e de força de trabalho empregada, a indústria da cultura estava seguramente entre as dez maiores do país, e já em 1994, estava à frente de segmentos conceituados como a indústria moveleira, indústria naval ou mesmo a indústria do eletro-eletrônico.

No Estado do Rio de Janeiro, outro exemplo, com base em estimativas e estudos desenvolvidos pelo Instituto Gênesis ligado a PUC/RJ, em pesquisas estas feitas em 2002 e coordenadas pelo professor Luis Carlos Prestes Filho, chegou-se a conclusão de que 3,8% do PIB estadual era fruto de ações, programas ou projetos culturais, sendo que só o carnaval era responsável )por 2,2% da fatia global do PIB carioca.

Ainda em 2005, o próprio Ministro da Cultura Gilberto Gil, em entrevista a imprensa, chegou a afirmar que o PIB da Cultura no estado do Rio de Janeiro beirava a casa dos 7%, sem, no entanto, indicar de onde vieram estes números, fazendo menção que o PIB nacional deveria ficar nestes mesmos patamares o que acabou sendo comprovado alguns anos depois com as pesquisas e estudos do IBGE. 

 

Sistema de Informações e Indicadores Culturais

 

Mas foi somente no final do ano de 2006, que o IBGE, novamente a pedido do Ministério da Cultura, apresentou novos dados e números sobre a Economia da Cultura dando uma dimensão exata e mais precisa da importância da Cultura na economia brasileira.

Nesta nova pesquisa, o número de trabalhadores formais que atuam no universo da produção cultural, atualmente está avaliado em 1, 055 milhões de pessoas, o que corresponde a 5,7% do universo da força de trabalho de todo o país. O PIB da cultura estaria na faixa dos 5%.

Outro dado interessante trazido nesta pesquisa mostra que na cesta básica da população brasileira os gastos com cultura ocupam o quarto lugar, ficando atrás apenas dos itens alimentação, habitação e transporte.

O número de empresas que atuam na área da Cultura no Brasil é de 142.875, sendo que deste total, 55% atuam no setor de serviço, 29% no setor de comercio e 16% na indústria.

 

Investimento do Poder Público na Cultura

 

Os gastos públicos no setor cultural, segundo o IBGE, representavam aproximadamente 0,2% do total das despesas consolidadas da administração pública em suas três esferas no ano de 2003. A cultura tem maior representatividade nos municípios, com aproximadamente 1% do total de gastos.

Nos Estados, este percentual era de 0,4%, enquanto no governo federal a cultura representava apenas 0,03% da despesa orçamentária, em 2003. No último ano, o Ministério da Cultura conseguiu elevar esse índice para 0,4%.

Segundo a pesquisa, os municípios eram responsáveis pela maior parte (55%) dos recursos orçamentários previstos para o setor cultural em 2003, quando o total de investimentos públicos no setor chegou a aproximadamente R$ 2,3 bilhões. Deste montante, R$ 293 milhões eram efetuados pelo governo federal (13% do total), R$ 747 milhões pelos governos estaduais (32%) e R$ 1,27 bilhão pelos governos municipais. Na esfera federal, os dados mostram que o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) era responsável pelo maior volume de gastos em 2003, já que responde pelas despesas de todos os museus federais.

O Ministério da Cultura também possui participação elevada no total dos gastos do governo federal.

De acordo com o estudo, do total gasto com cultura na esfera estadual (cerca de R$ 746 milhões), São Paulo é o Estado com a maior participação em 2003, com aproximadamente 28,2% (aproximadamente R$ 211 milhões), seguido pela Bahia (10,6%), Rio de Janeiro (8,2%), Amazonas (6,1%), Rio Grande do Sul (5,3%) e o Distrito Federal (5,3%). Os estados com menor participação são Rondônia (0,03%), Roraima (0,09%) e Tocantins (0,2%). O estudo inédito do IBGE, chamado Sistema de Informações e Indicadores Culturais 2003, foi realizado em parceria com o Ministério da Cultura. Para compor o trabalho foram utilizados de pesquisas tradicionais do instituto, como Cadastro Central de Empresas, Pesquisa Industrial

Anual Empresa, Pesquisa Anual de Serviços, Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) e Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD).

 

Outros Números da Cultura

 

Segundo Ana Carla Fonseca Reis, em artigo publicado no site Cultura e Mercado em setembro de 2005, a Grã-Bretanha, preocupada na diversificação de sua economia pela queda acentuada na indústria manufatureira, encontrou na indústria criativa uma alternativa. Entre 1997 e 2000, após pesados investimentos e um forte planejamento, enquanto a economia crescia na faixa de 2,8%, o PIB das indústrias criativas chegava a 7,9% gerando quase nove bilhões de euros em exportações, garantindo aproximadamente dois milhões de empregos em uma época onde o desemprego rondava a porta dos países europeus. Outro dado interessante, a título de ilustração para destacar a importância da produção cultural no universo da economia, é que na década de 80, o grupo musical sueco ABA levou sozinho para a Suécia, em termos de recursos, um volume maior do que o de todo o valor arrecadado pela empresa Volvo em suas unidades espalhadas pelo planeta.

Esta informação foi apresentada em junho de 2006 durante a reunião do Grupo de Estudos da Economia da Cultura integrante das Câmaras Setoriais do Ministério da Cultura em sessão na cidade de Brasília/DF.

Todos estes números apenas ressaltam que a produção cultural também pode ser um bom negócio. Arte e Cultura podem gerar recursos e riquezas, mas não podemos esquecer sua importância estratégica e social. Por isso, o desenvolvimento da produção cultural é fundamental para o desenvolvimento da sociedade. Com a arte e com a cultura podemos interagir com toda a estrutura social. É o que chamamos de transversalidade. Com um bom projeto cultural podemos auxiliar na educação, interferir na saúde, nas questões sociais, colaborar na construção da cidadania e ter atuação na esfera da política. Com um bom projeto cultural podemos ainda estimular o turismo, o esporte, ajudar na preservação do meio ambiente ou no resgate da memória. Sem falar que através da arte e da cultura podemos também gerar ações de entretenimento e lazer, auxiliando na busca de uma qualidade de vida melhor. Com a arte e com a cultura, não importa a ótica adotada, podemos sempre interferir de forma positiva na construção e na consolidação de toda a estrutura da nossa sociedade.

Portanto, mais do que um bom negócio, a produção cultural é essencial para o desenvolvimento humano.

 

A difícil missão do produtor cultural

 

Mas mesmo com todos estes dados, artistas, gestores e produtores culturais, encontram uma série de dificuldades e barreiras no desenvolvimento de ações, projetos e programas culturais.

Sejam ações do poder público ou da iniciativa privada, sejam ações de artistas, individualmente ou em grupos, sejam entidades do chamado terceiro setor ou entidades privadas com fins lucrativos, as barreiras e obstáculos muitas vezes serão as mesmas.

Praticamente todo produtor cultural irá enfrentar essas dificuldades e, portanto citaremos aqui algumas delas:

 

a) Preconceito para com a arte e a cultura;

b) Falta de gestores culturais qualificados e capacitados em número suficiente para atender a demanda;

c) Falta de políticas públicas de médio e longo prazo;

d) A diversidade cultural e a variedade de opções e ações no setor;

e) A globalização;

f) O Voluntarismo excessivo e a falta de profissionalismo em alguns setores;

g) Falta de compreensão do que seja arte e cultura;

 

O Preconceito para com a arte e a cultura

 

A postura de um gestor cultural, a forma como ele se posiciona diante das pessoas e da sociedade, de como ele defende suas idéias e suas propostas, de como ele se relaciona com o mundo é fundamental para o desenvolvimento do seu trabalho. Neste sentido, artistas, produtores e gestores da cultura sofrem constantemente com um preconceito que existe para com a arte e com a artista, e que se reflete na cultura de forma geral.

Todas as considerações inicialmente apresentadas neste texto, têm por objetivo apenas trazer a estes produtores e gestores a reflexão da importância do seu trabalho e a amplitude do seu poder.

A atividade artística e cultural sempre foi tratada por muitos setores da sociedade, inclusive por artistas e produtores, como uma atividade complementar, ou mesmo como uma atividade “supérflua” e sem a menor importância. Esse tratamento inadequado é uma conseqüência, entre outras coisas, da dificuldade de identificação da função e da utilidade da cultura e da arte conforme mencionado anteriormente neste texto.

As conseqüências desta discriminação e de uma maior falta de atenção para este segmento podem ser percebidas nos baixos investimentos no setor cultural por parte do poder público. Dificilmente um orçamento municipal, estadual ou mesmo federal, ultrapassam a barreira do 1% dos recursos disponíveis, conforme a pesquisa acima revela, não importando qual seja o governo e sua ideologia. (Lembramos que hoje, tramitam pelo Congresso Nacional projetos de lei para estabelecer um teto mínimo de um ou dois por cento para Cultura nas verbas públicas) Isso sem mencionarmos o fato de que, em grande parte das cidades brasileiras, os responsáveis pela manutenção de uma política cultural, geralmente são obrigados a trabalhar sem nenhum tipo de estrutura, recurso ou receita, e são na grande maioria dos casos tratados pela direção do poder público, como meros “animadores” ou “agitadores” culturais. O próprio uso desta terminologia traz consigo certa marca discriminatória e de falta de seriedade.

Em razão desta discriminação ainda, não existe por parte da sociedade a percepção de que a arte possa ter inúmeras funções e utilidades, podendo servir como complemento da atividade educacional, por exemplo. Não há a compreensão de que as atividades culturais podem servir para reforçar o processo de formação e informação de uma comunidade, chegando inclusive a ter forte influência sobre grupos de pessoas ou determinados nichos que às vezes não são atendidos pela educação formal promovida pelo poder público ou pela iniciativa privada.

A atividade artística e cultural também pode servir como fator importante na construção dos conceitos de cidadania, participação social, interação política, saúde, segurança pública, entre outros.

Para entendermos a importância da produção cultural e artística, vamos lembrar que o próprio surgimento do termo mecenato, termo empregado para aqueles que “apadrinham” a arte e o artista, surgiu em decorrência de interesses políticos e militares do império romano alguns anos antes de Cristo.

Da mesma forma, os Norte-Americanos já no começo do século passado, entre as décadas de 30 e 40, percebendo a importância da ação cultural, passaram a investir de forma intensiva neste segmento, principalmente no cinema, como forma de expandir seus horizontes e difundir seus princípios e valores, inaugurando uma nova era neocolonialista.

Os Estados Unidos da América, através da arte e da cultura, ampliaram os seus domínios políticos e comerciais e mantiveram sua influência em quase todos os cantos do planeta sem a necessidade específica de ter de usar a força para impor determinadas idéias e estabelecer conquistas. A arte e a cultura foram instrumentos eficazes nesta missão de construir uma imagem positiva daquele país.

Também não podemos esquecer que hoje, o PIB da Cultura nos Estados Unidos fica na faixa dos 8% de toda a riqueza produzida naquele país.

Portanto, se a maior potencia do planeta utilizou a arte e a cultura como um instrumento de poder, como forma de melhorar o seu relacionamento e imagem perante o mundo, não podemos desprezar a importância e o potencial da ação cultural.

 

A Falta de Políticas Públicas para o Setor Cultural

 

Mas os problemas da Gestão Cultural não se resumem ao preconceito para com a cultura ou apenas a falta de qualificação e capacitação de gestores. No Brasil o poder público quase nunca estabeleceu de forma nítida e clara uma política pública voltada para a cultura, principalmente com uma visão de longo prazo, entendendo aqui como sendo política pública, o conjunto de ações e medidas que estimulem e fomentem a atividade artística e os projetos culturais, que possibilitem o acesso por parte da comunidade de forma ampla e democrática, com um planejamento a médio e longo prazo e, principalmente, com os objetivos e metas bem definidas, trazendo benefícios à sociedade como um todo.

Fundamentalmente, estas ações precisam do envolvimento e da participação da comunidade para a sua legitimação, interação e continuidade.

Seguindo nesta esteira, o Ministério da Cultura, numa iniciativa inédita, está instalando o Sistema Nacional de Cultura, através do Plano Federal e Nacional de Cultura e da criação de fóruns que possibilitam uma maior participação da sociedade como as Câmaras Setoriais, as Conferências Nacionais de Cultura e a Conferências e Seminários de alguns setores como a Cultura Popular.

Mas excluindo estas recentes ações do MINC, o que observamos com regularidade por parte do poder público é a adoção de medidas pontuais e isoladas como a criação de organismos e instituições de fomento, o surgimento de programas e leis de incentivos, que muitas vezes não funcionam, ou mesmo a realização de eventos e atividades temporais. No entanto, estas ações acontecem desconectadas de uma visão global, fragmentadas em sua amplitude e regionalização e, principalmente, sem perspectivas de continuidade em longo prazo.

A situação se agrava ainda mais, quando percebemos que em muitas regiões do País o poder público se torna concorrente do produtor cultural local, e sem justificativa, acaba ele, o poder público, produzindo e não apenas estimulando e fomentando a produção cultural as vezes matando pela competição.

Segundo o Professor José Carlos Durand, Professor da FGV e do Centro de Estudo da Cultura e do Consumo - CECC, quatro princípios devem resumir o que se pode esperar de uma política cultural democrática e eficiente: qualidade, diversidade, preservação de identidades e preservação de valores.

 

Quem são os Profissionais da Gestão Cultural

 

As expressões “agitadores culturais”, “animadores culturais”, “monitores culturais” ou mesmo “militantes culturais” já foram muitas vezes empregadas para designar aquelas pessoas que atuam em prol da organização e produção da atividade cultural.

Alguns destes termos, no entanto, como, por exemplo, “animador e monitor cultural”, transmitem a imagem da existência de moças e rapazes simpáticos, atenciosos e aplicados, que estarão sempre prontos para espantar o nosso tédio. O mesmo jogo semântico se aplica à denominação “agitador cultural”.

Este tipo de pecha (4) traz consigo embutido um aspecto negativo, uma espécie de preconceito. Esta rotulação traz a associação inconsciente de que estas são atividades amadoras e que são desenvolvidas por mero passatempo e diletantismo (5). Não que a produção cultural não possa ser exercitada e gerida por amadores, por pessoas que por opção resolveram assumir este papel. Neste caso, o termo “militante cultural” estaria muito bem empregado.

Todavia, aqueles que procuram realizar a gerencia de atividades e projetos culturais de forma profissional e com isso, buscam encontrar um novo campo de trabalho e mostrar capacidade e eficiência, devem se postar como profissionais, e buscar sempre e continuamente serem reconhecidos como tal.

Agentes e produtores culturais são profissionais da cultura. Pessoas capacitadas à desenvolver a gestão cultural de forma profissional e remuneradas.

 

Função e Formação do Agente e do Produtor Cultural

 

A criação e a produção de uma obra de arte é o objetivo e a meta de todo e qualquer artista. Mas como qualquer outro ser humano, o artista também tem as suas necessidades básicas de sobrevivência – despesas com moradia, alimentação, vestuário e locomoção - e estas necessidades geralmente obrigam no a transformar a sua atividade artística em uma atividade economicamente rentável e viável.10

Para se manter atuante no mercado o artista necessita muitas vezes assumir o papel de produtor cultural ou então conseguir um produtor, para planejar, gerir e administrar uma estrutura capaz de viabilizar a criação de sua obra de arte e transformá-la num “processo” ou num “produto” possível de ser “consumido” pelo público, de transformá-la num “produto cultural”. Por isso, o sonho de todo artista é encontrar um bom agente ou produtor cultural que o liberte das obrigações e das maçantes tarefas burocráticas necessárias ao desenvolvimento do seu trabalho. Muitos artistas, no entanto atuam como produtores culturais, por opção, vocação e às vezes até mesmo por falta de alternativa.

O produtor cultural, portanto, pode ser um administrador capaz de executar as tarefas práticas e burocráticas de um projeto cultural.

No entanto, mais do que um administrador e um mero gerente, o produtor cultural precisa ser um profissional com conhecimentos de mercado (publicidade, distribuição e venda), legislação, comunicação e técnicas de administração, além evidentemente, de ter intimidade com a arte e as atividades artísticas. Entre suas inúmeras tarefas destacamos a captação de recursos e incentivos para a execução dos projetos culturais. Mas existem outras funções, tais como:

 

- Realizar o planejamento do projeto cultural;

- Firmar apoios e contratos de participação e cooperação de profissionais e entidades;

- Definir a equipe de trabalho; / Captar permutas e apoios;

- Gerenciar os recursos e a estrutura material necessária para execução de um projeto;

- Organizar a divulgação e a assessoria de imprensa;

- Controlar receitas e recursos; / Efetuar pagamentos;

- Zelar pela legalidade e pela idoneidade do projeto;

- Coordenar o transporte de material e de pessoal para execução do projeto;

- Acompanhar a assessoria jurídica para elaboração e assinatura de contratos;

- Definir metas e objetivos do projeto junto com artistas e diretores;

- Controlar a distribuição e comercialização de produtos resultantes do projeto;

- Registrar e documentar o trabalho executado;

 

Para o desenvolvimento de todas estas tarefas, um bom produtor cultural precisa ser organizado, criativo, versátil, ter boa fluência no trato e na relação com as pessoas e ter sempre a mão o seu mais importante instrumento de trabalho: A sua agenda.

 

A Cultura em três dimensões

 

Antes de tratarmos ainda sobre a gestão de projetos culturais, gostaríamos de lançar mais algumas considerações sobre o papel da cultura.

Com já foi dito, a cultura segue além do universo da arte, o que equivale dizer que a arte é uma parte da cultura, mas não devemos associar arte e cultura ou tratá-las como sinônimos. São coisas diferentes. Os artistas e produtores de arte trabalham com cultura, mas os precisamos perceber que nós, que atuamos no universo da cultura temos uma possibilidade infinita, pois tratar de cultura significa tratar de tudo aquilo que é produzido pelo homem.

Por isso, seguindo este raciocínio, lembramos que a cultura tem sua importância em três diferentes dimensões:

- Ela gera emprego e renda, auxiliando no desenvolvimento econômico de uma região e, portanto tem sua importância econômica;

- Ela atua como instrumento de integração e união entre as pessoas, e, portanto ela tem sua importância social;

- Ela mexe com as relações de poder da sociedade, forma a cidadania, auxilia na conscientização da sociedade e dos indivíduos, e por isso,tem sua importância política;

Apesar de que, por inúmeras vezes neste texto, reduzimos o papel do gestor cultural a simples

condição de um administrador da cultura, sabemos que o conceito de gestão vai além desta percepção de que um gestor é um mero responsável pela gerencia burocrática, pelo controle do processo administrativo. Aquela antiga noção de que o administrador é um apenas o guarda-livros ou simplesmente a pessoa que se encarregava de cuidar da estrutura “administrativa”, de cuidar do livro caixa e efetuar o balanço de uma empresa ou de um projeto. O conceito de gestão ganhou novos horizontes a partir dos anos 90 e ampliou essas possibilidades.

O termo gestão, que na sua tradução mais sincera contém realmente a idéia de “Ato de gerir; gerência; administração e direção”, mas numa visão mais atual coloca o papel do gestor cultural na condição de quem não pode se limitar apenas a gerência administrativa das ações de um projeto.

Além de se encarregar das questões organizacionais, de ainda cuidar do caixa e das receitas como muita gente imagina, ele também é responsável pela administração do tempo e dos recursos humanos, e mais do que isso, é responsável pela motivação e relacionamento de todo o seu grupo de trabalho e pela construção das relações que são firmadas.

Gerir um projeto é, portanto, um ato que assume novas possibilidades e ultrapassa os limites da boa administração. Um Gestor deve ser um motivador, um político, alguém capaz de construir propostas sólidas e entender o processo ideológico onde ele estará inserido. Alguém capaz de orientar e estimular a imagem que o projeto terá perante a sociedade e todos os seus desdobramentos.

O trabalho de gerenciamento da Produção Cultural envolverá sempre, basicamente, um conjunto de ações administrativas fundamentais para a realização e o desenvolvimento de um projeto ou atividade cultural e exigirão do gestor cultural conhecimentos de administração, contabilidade, legislação, comunicação, marketing, psicologia, arte, política, história e conhecimentos técnicos de produção.

 

 

4.4 - Cultura, um direito de todos

Jaime Pinsky

Toda a produção material ou imaterial do gênero humano pode ser chamada de cultura. É nesse sentido que arqueólogos, antropólogos e outros estudiosos caracterizam o modo de um grupo se enfeitar, coletar frutas, utilizar calendários e conceber deuses.

Num sentido mais estreito, podemos falar da cultura como sendo o patrimônio que a humanidade acumula a cada geração. É o caso da filosofia grega, da ética dos profetas hebreus, do direito romano, das catedrais medievais, das pinturas e esculturas de Leonardo da Vinci, Michelangelo e Rafael, da música de Bach e Beethoven, do pensamento de Marx (querendo entender a sociedade), de Freud (buscando desvendar o interior das pessoas), de Einstein (tentando explicar o universo), do cinema de Eisenstein e Orson Welles e muito mais.

O traço mais marcante da distinção entre os homens e os demais animais é a nossa capacidade de produzir e transmitir cultura. Assim, é uma questão de crença no potencial humano defender o direito de todos terem contato com obras fundamentais da cultura, produções do gênio humano que justificam nossa presença neste planeta, ao qual, de resto, provocamos tantos estragos. Não acreditar no direito universal à cultura seria imaginar que apenas uma casta de eleitos pode estabelecer contato com esse patrimônio. O que, convenhamos, soa um bocado elitista, não é?

Claro que se pode (e deve) defender a diversidade cultural, o direito a diferentes culturas, desde que se tome cuidado com uma armadilha em que muitos caem. Uma coisa é o trabalho de resgate cultural de raízes (como o que faz, por exemplo, Antônio Nóbrega), outra é deslumbrar-se com produtos da indústria cultural, como músicas concebidas e produzidas por marqueteiros e divulgadas à custa de jabaculês em certas rádios e TVs.

Sociólogos importantes, como Octávio Ianni e José de Souza Martins, estabeleceram com clareza essa distinção ao escreverem contra uma suposta defesa da cultura popular que, na verdade, não é nem popular, nem cultura...

Num país em que cada pessoa compra, em média, menos do que um livro por ano, é importante o esforço no sentido de incrementar a leitura. O acesso a bons filmes talvez possa retardar o processo de infantilização de adultos (comédias idiotas, desenhos elementares, personagens sem conteúdo). Visitando bons museus (pessoal ou virtualmente), as pessoas estabelecem um contato mais estreito com importante parcela do patrimônio cultural da humanidade preservado nesses espaços.

A universidade brasileira está assentada no tripé docência/pesquisa/extensão, o que pressupõe profissionais comprometidos com a investigação séria, a docência responsável e o estabelecimento de uma relação generosa com a comunidade por meio de cursos de extensão universitária.

Não se trata, é claro, de o pesquisador se transformar em um simples divulgador, mas de não se omitir dessa importante função. Se sem pesquisa a produção intelectual fica rasa, sem diálogo com a sociedade, fica estéril. As melhores universidades do mundo publicam obras de divulgação; os museus e galerias de arte divulgam sua produção para crianças, estrangeiros e idosos; é ponto pacífico que divulgação cultural não pode ser confundida com interesse mercadológico ou populismo.

É evidente que há excelentes intelectuais que, por características de personalidade, especificidade do campo de trabalho ou decisão pessoal, atuam apenas dentro dos muros da academia. Esses não criticam aqueles que decidiram dialogar com a sociedade, tentando tornar conhecimentos técnicos e reflexões profundas acessíveis aos não-especialistas. Sabem que, em tempo de muita informação desconexa, a ação de intelectuais desse tipo é fundamental.

Os tiros são sempre disparados por escritores limitados, autores sem obra, pensadores sem tese, profissionais desacreditados que só garantem o seu emprego em razão da estabilidade e do corporativismo, quando não por ligações espúrias (6) com os detentores do poder.

Sem brilho próprio, nem ao menos conseguem refletir o brilho alheio. Inseguros, pois têm consciência de sua mediocridade, sentem-se permanentemente ameaçados. Mesmo assim, agem como o aluno irresponsável e preguiçoso: Não li e não gostei. Não admitem que profissionais liberais, artistas, pequenos empresários e até donas de casa possam ter inquietações intelectuais, razão pela qual riem dos esforços dessas pessoas em saciar sua vontade de conhecer mais. Por extensão, tentam desqualificar o trabalho daqueles que lutam para tornar a cultura acessível a mais gente, quando todos sabemos dos riscos de escrever e editar neste país.

Os adversários, minha gente, são outros, não os que falam a favor do livro, do teatro, do cinema e da música de qualidade, de bons museus, da civilidade e de outros aspectos da cultura humana.

Jaime Pinsky, 65, historiador e editor (Editora Contexto), doutor e livre docente pela USP, é professor titular aposentado da Unicamp. É autor de, entre outros livros, Cultura & Elegância. [Folha de S.Paulo]

Extraído de: WWW.JAIMEPINSKY.COM.BR